quarta-feira, 20 de abril de 2022




Euphonia pectoralis



                                                                  Lua verde para nós

                           [uma transcri(a)ção literária, ao som de Chopin – "Nocturne Op. 9 Nº 2"]



Hoje, em meio à densidade de acontecimentos que nos tomam a vista, os bichos vieram apresentar o programa. Por que não poderiam? As alternativas estão escassas a cada passo dado por você. Compreende? Eu não gostaria de aceitar como um dado intransponível a sentença de morte da atualidade, bem próxima ao fato que Machado de Assis, em Brás Cubas, outrora nos contara, em suas palavras finais: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”. Me soaria rude te dizer isso. Mais uma vez. Neste século. Não poderíamos aceitar a sucessão de desamparos e lacunas. Precisamos, enfim, ultrapassar o desfiladeiro desta mórbida realidade. Gostaria de aceitar o convite? Deixemos o sarau iniciar.


Parte 1

Loba

Eu contaria os minutos nesta prosa insólita a passar, entretanto,
na trama eu canto. Falo de Ismália. Ela, elo perdido que talvez “Deus ouvirá”.
Ela, em seu “desejo de amar”, de descobrir-se, que acabou enlaçada pelo
mar. Marejou flores no olhar; um tanto pelo que desejava: o próprio desejo de amar.

Andorinha


A noite amá-la, à noite, há mar. Denso e resplandecente. Constatação por si. Em silêncio. Amar o véu do mar. O despudor do repenique.
O som augusto do resquício. É preciso tanta noite para cantar? — se perguntava.

Raposa

Não seria simples a fruição de um novo começo. Jogada na soleira dos dias.
Em prol de um caminho desconhecido. Sem dias livres. Trancada no alambique das horas. Na labuta de sua vida. O corpo, um artefato sonoro que deveria limpar os móveis. Para depois poder sonhar: Ismália enlouquecida, passeio sonoro notívago.

Coruja

Não era minha nem sua vida. Mas era humana, era uma pessoa como outra qualquer
designada para ser luz. Avistando uma hora única.

Hiena

Só que, um dia, pensou em recomeçar e inventou Aquilo
que não poderia ter. Asas amplas no caleidoscópio do breu. Era preciso voar mais longe.

Abelha

Porém ela, qual Ícaro em fetiche enviesado. Escolheu somar as ondas. À neblina dos seus olhos. A chuva sinalizou. Desajeitadamente. A. Existência do seu corpo. E ela, janela sonora, como outra qualquer. Carne eclodida. Nasceu no ar, sobressaltando a noite, pulando em prol da nova manhã. Se deu um nome:
E voou.


Parte 2


Ismália


[10:30]

A liberdade,
Verde fluorescente
Ciclina multifuncional
Repleta de peptídeos
Saudáveis
Transição de acidez à doçura
Powerful activity
Verde com
Luzes gitanas
Superando
Arranha-céus

[10:40]

As escadarias percorridas
Nas varandas celestes
Te Quiero verde
Tu verde cuerpo sobre
La mar
amar
el desconocido
Y amar el desconocido hasta el anochecer
con tu carne satinada
en neblina
Pulsando
En las caballerías
Salvajes de la mar


[17:59]


A película das manhãs
Aglutinada às noites
Organograma de sensações
Desconfiguradas
E hiperbólicas
Antenadas
Às feições dos dias
Aos lumes de prata


[20:30]

São pássaros elaborados
Na madeira de mogno
Não são
Jamais são cruzes carregadas
Aves sãs que se descolam
Porque
Se somam ao ar



[00:00]

Novas asas
Asas reais


Te Quiero

Quiero verte

Verdes pastagens
Densas ramagens
Belas
Paragens

(em cada minuto)
Em que está você.



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