terça-feira, 29 de março de 2022

Recomeço portátil ou derivação kintsugi

 

Kintsugi de tigela


Nesta fissura tátil __________
relicário ________ lírico
luzente (r)achado,
podemos nos encontrar

Em meio ao apagamento 
material e às réstias de
pó perdido, ao vento
podemos nos encontrar

Pois temos o objeto incumbido
de redesenhar e (re)carregar
os destroços em nome de
uma peça auriginosa
resultado tátil retalhado
não retaliado
sinônimo de ardor

O frio original se desfaz quando
lá nos encaixamos
nossos corpos colados em lí-
quida aglutinação entre a 
trinca quente e a laca resinosa

Se podemos nos encontrar:
jogo silencioso
acontecimentos reformulados

Incidentes — cacos — cinzas
Intenção — cumbucas — ouro
casualidade dos rejuntes
adição de cor à tigela
e ao seu açúcar empedrado

defeito — mudança — incrustados
recipiente de sim cicatrizado
uma nova entrega da fome
remendada no livre trajeto de
substâncias sutis entrelaçadas

Um novo uso para a vida-cerâmica
e seu coração perolado
Uno craquelado das formas reboladas

Se, pelos dias, fissurada e esquecida,
antes despercebida passava
agora, límbica e estratégica 
inteireza apenas lembrada como
ponto de contato entre o estado da
falta e o da presentificação

Tal como uma tintura nanquim
de finíssima qualidade
todos os prismas em seus contornos
mapeados

Reparo / olho / reparo
as 1001 memórias
reinventadas

Reativação crítica integrada⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
estreita poética
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀na
densa realidade.⠀⠀⠀⠀



Poem-vagão ou Corredor humanitário

“The swan nº 1”, de Hilma Af Klint                                                                                         “The swan nº 1”, de Hilma Af Klint                 


Salto os olhos pelas páginas

e em Cada degrau

da estação tardia

 

Partida, partira, partiu, vamos?

não haverá mais tempo

parto e entrelaço minhas mãos

surrupiada manhã

esquecida por mim

no asfalto das eras

Diabo-lógicas

 

Deixaram o bilhete no chão

“nos beijamos amanhã”

“Até”, digo eu

Extraviada dos anos

desconhecida a matéria

dos sonhos por vir

 

O vagão vaguilongo vagueou

em meio às bombas

Instantes imprecisos, mas

floreando as ideias, pois você torcera

pelo branco das nuvens

ele a viver na paleta do

espírito e, ainda assim, deseja

sua trama em comunhão com a queda


manifestação férrea e sem rédeas,

em si, purpurizando a cadeia de acontecimentos

dispersos__ sem terra

 

Assalto minhas certezas

deixo o interminável tra(n)çar

caminhos

  

Meu irmão sonoro, o vento

balbucia folhagens pelo espaço

toco a memória

do fogo, carambolas em compotas

desligada dos trilhos

 

Apito

em meu corpo

cada mito –

côndria energiza e

ritualiza a etimologia do sol

Lanço-me à dança incerta

à crueza do chamamento longínquo

Captar o

Átrio,

ser em todos os lados

a miríade

Do sim

 

Mitologema

a percorrer

o real da via viva

Vida Espessa, expressa

espessa, Expressa e vibra:

minha peça,

nossa era.


Trilha trincada

 

Insta: @muminalab, “093 — desplegando sueños”.




Tarda muito para haver silêncio
raios de sol_________e eu rastejando
rastreio o rumor reincidente da rua

Eu, sorteio sonoro
sonho__________sibilino
eu nos outros

são sinos que surgem
somando sons

sigo e surjo
_________
rompante raro
em cada lado calado
E rasurado

Rojão da palavra:
ainda é tempo



sábado, 26 de fevereiro de 2022

 








Fundação lú-dica

Luciana Moraes


I.

Disposta a fisgar o sol, deixo

a minha casa de verão, amiga, amigo

rompo as figuras, as marcas e as camadas do papel

com linhas e cores ritmando as horas


II. 

Para absorver o encontro,

nos tocamos,

afogamos

os corpos em mais um dia

neste mar de sig-

nós e sua caçada de pontos preci(o)sos

Não fuja,

ca(n)to o invisível 

flor de intenções

somos conchas afiadas pelo

vento em água

como uma pipa empinada por você

bem-acabada


III.

Escrevemos e vemos como

nos dando as mãos

sobe a onda sobe o voo

nenhuma certeza, é tarde

mesmo assim, 

não desista: o que importa?

sou objeto urgente

nos vemos na próxima esquina

você, maleável 

elos ~ sopros ~ correm ~ em ~ silêncio

me conduz

mas ela diz, afiada,

/sou colorida & 

radica(liza)da no ar 

lá, ele diz /sou

manancial esgarçado, nada

entre rosas e sombras

ela diz /sou engraçada e subversa

à degradação

ele diz /estou em contentamento

ela /estou em contato,

beijando o

abis-

mó.





 Margarida ou Pérola


Luciana Moraes


I.


Bom é ter

olhos que se abrem

para ver um novo dia


e nascer na brecha com

linhas firmes, nessa

manhã costurada pela

flor da memória


II.


Se você caminha assim, na greta,

já se verá em outra fase


o ritmo das cores

e os fardos por trás do aroma


Sim, percorrer a floricultura 

do tempo é exercício pertinaz


III.


Nunca se sabe onde 

começa a bruxa,

onde os rumores do mundo findam


visto que, de repente,

no simples lapso das horas

o corpo anoitece

e, no breu, abotoa

as sementes do sonho 

para vingar:


plantará o brilho

das marés.






Diário Poético - criações






 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022