segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

A janela semiaberta

 




A janela semiaberta

 

por Luciana Moraes

 

PERSONAGENS

 

 Flávio - dono da casa

Lara - uma desconhecida

Médicos 

Enfermeiros

 

Época: Segunda metade do séc. XX; Lugar do drama: Rio de Janeiro (Recreio, zona Oeste)

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PRIMEIRO ATO

 

Casa de família de classe média. Quarto grande, chão com tacos de madeira envernizados, armário embutido branco, uma poltrona roxa próxima da porta, uma cama de casal ao centro, uma mesinha de cabeceira bege e um biombo ripado na lateral esquerda. 

É tarde,15hs. Clima fresco

 

CENA I

 

[Lara está sentada na poltrona, o corpo inclinado levemente para a direita. Ela olha fixamente para a janela]

 

FLÁVIO (apreensivo, em pé, próximo da janela)

 

Você disse que conhece a minha casa?

 

LARA (esboça um sorriso)

 

Todos os dias de Janeiro íamos à praia. Era uma alegria.

 

FLÁVIO

 

Você morava aqui com quem? Não sei se entendi bem.

 

LARA 

 

Minhas duas filhas. Luana e Roberta. Meu marido nos deixou. Sumiu no mundo.



FLÁVIO (desconfiado, arrependido por deixá-la entrar mais na casa)

 

Ah, sinto muito. Mas me diga: o que fez você querer pular o muro ainda há pouco? E o passado já passou, não existe mais… 

 

LARA (um pouco desconcertada)

 

Só queria observar aquela roseira lá atrás…dá pra ver melhor aqui do alto, nesse quarto. Posso me aproximar da janela aí?

 

FLÁVIO (incomodado)

 

Você sabe que podia ter se ferido, né? Todos sabemos que os arames farpados são justamente para evitar a entrada de ladrões. Você sabe disso, não? Entende o que eu digo?

 

LARA 

 

Sim, sim. É que eu não tenho mais ninguém. Minhas filhas se casaram. Foram para outro estado. E eu aqui.. lembrando da nossa época feliz. A Roberta adorava aquela roseira, sabe? Ela quem cuidava dela, regava sempre. A Luana, não. Só queria ouvir música, trancada no quarto, o som bem alto e…

 

FLÁVIO (interrompeu a mulher, já cansado de ouvir)

 

Entendi, claro. Então, se você não se importa, daqui a pouco minha esposa chegará com as crianças, e eu gostaria de ter tranquilidade na casa de novo. Tenho também meus trabalhos para cumprir, ok?

 

LARA (confusa)

 

Nossa, ah, desculpe.. certo. Você poderia me dar um copo de água? Acho que minha boca está muito seca, receio que seja…

 

[a mulher tem uma crise convulsiva, cai no chão, se debatendo a todo momento]

 

FLÁVIO (com os olhos arregalados, paralisado)

 

Meus Deus, que dia!! Senhora, se..se.. Vou chamar a ambulância para você receber assistência médica.






SEGUNDO ATO


[Antes do homem pegar o celular, ele escuta uma algazarra em frente a sua casa; tocam o interfone, batem na porta; ele deixa a mulher lá, por um instante, abre a porta, de repente, uma ambulância com uma equipe médica reunida o interpela]


CENA II

 

MÉDICO (gritando, seguindo em direção à porta)

 

Desculpe, senhor, esta mulher não podia estar aí. 

Está se tratando em nossa clínica, aqui no bairro. Com licença, sim?

 

ENFERMEIRO (nervoso)

 

Você não vê?! É um risco para a saúde de todos! Cuidado com ela! 

Vamos pegar ela logo!

 

FLÁVIO (falando enquanto caminha com a equipe)

 

Não tinha como eu saber. Pula o meu muro, entra na minha casa e vai contando histórias…que coisa!

Claro. Mas o que vocês farão com ela?

 

MÉDICO

 

Primeiro, um eletroencefalograma. Com certeza. Ela já não estava bem nessa semana.

Depois, mudar o medicamento, rever a dose.

 

[Quando chegaram no quarto, havia um bilhete amarelo colado na janela semiaberta, nele apenas escrito em caixa alta: A MINHA ROSA DE ESPINHOS MURCHOU. Eles vasculharam todos os cômodos da casa, olharam na varanda: nenhum sinal da mulher. Na rua, vizinhos disseram ter visto uma mulher dançando feliz, girando seu vestido sob o sol, cantando e dançando, ao mesmo tempo, correndo como se fugisse de alguém. Nunca mais Flávio a viu. Ela o deixou enfeitiçado]




 FIM



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