A janela semiaberta
por Luciana Moraes
PERSONAGENS
Flávio - dono
da casa
Lara - uma desconhecida
Médicos
Enfermeiros
Época: Segunda metade
do séc. XX; Lugar do drama: Rio de Janeiro (Recreio, zona Oeste)
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PRIMEIRO ATO
Casa de família de
classe média. Quarto grande, chão com tacos de madeira envernizados, armário
embutido branco, uma poltrona roxa próxima da porta, uma cama de casal ao
centro, uma mesinha de cabeceira bege e um biombo ripado na lateral
esquerda.
É tarde,15hs. Clima
fresco
CENA I
[Lara está sentada na poltrona, o corpo
inclinado levemente para a direita. Ela olha fixamente para a janela]
FLÁVIO (apreensivo,
em pé, próximo da janela)
Você disse que conhece a minha casa?
LARA (esboça um
sorriso)
Todos os dias de Janeiro íamos à praia.
Era uma alegria.
FLÁVIO
Você morava aqui com quem? Não sei se
entendi bem.
LARA
Minhas duas filhas. Luana e Roberta.
Meu marido nos deixou. Sumiu no mundo.
FLÁVIO (desconfiado,
arrependido por deixá-la entrar mais na casa)
Ah, sinto muito. Mas me diga: o que fez
você querer pular o muro ainda há pouco? E o passado já passou, não existe
mais…
LARA (um pouco
desconcertada)
Só queria observar aquela roseira lá
atrás…dá pra ver melhor aqui do alto, nesse quarto. Posso me aproximar da
janela aí?
FLÁVIO (incomodado)
Você sabe que podia ter se ferido, né?
Todos sabemos que os arames farpados são justamente para evitar a entrada de
ladrões. Você sabe disso, não? Entende o que eu digo?
LARA
Sim, sim. É que eu não tenho mais
ninguém. Minhas filhas se casaram. Foram para outro estado. E eu aqui.. lembrando
da nossa época feliz. A Roberta adorava aquela roseira, sabe? Ela quem cuidava
dela, regava sempre. A Luana, não. Só queria ouvir música, trancada no quarto,
o som bem alto e…
FLÁVIO (interrompeu a
mulher, já cansado de ouvir)
Entendi, claro. Então, se você não se
importa, daqui a pouco minha esposa chegará com as crianças, e eu gostaria de
ter tranquilidade na casa de novo. Tenho também meus trabalhos para cumprir,
ok?
LARA (confusa)
Nossa, ah, desculpe.. certo. Você
poderia me dar um copo de água? Acho que minha boca está muito seca, receio que
seja…
[a mulher tem uma crise convulsiva, cai
no chão, se debatendo a todo momento]
FLÁVIO (com os olhos
arregalados, paralisado)
Meus Deus, que dia!! Senhora, se..se..
Vou chamar a ambulância para você receber assistência médica.
SEGUNDO ATO
[Antes do homem pegar o celular, ele escuta uma algazarra em frente a sua casa; tocam o interfone, batem na porta; ele deixa a mulher lá, por um instante, abre a porta, de repente, uma ambulância com uma equipe médica reunida o interpela]
CENA II
MÉDICO (gritando,
seguindo em direção à porta)
Desculpe, senhor, esta mulher não podia
estar aí.
Está se tratando em nossa clínica, aqui no bairro. Com licença, sim?
ENFERMEIRO (nervoso)
Você não vê?! É um risco para a saúde
de todos! Cuidado com ela!
Vamos pegar ela logo!
FLÁVIO (falando
enquanto caminha com a equipe)
Não tinha como eu saber. Pula o meu
muro, entra na minha casa e vai contando histórias…que coisa!
Claro. Mas o que vocês farão com ela?
MÉDICO
Primeiro, um eletroencefalograma. Com
certeza. Ela já não estava bem nessa semana.
Depois, mudar o medicamento, rever a
dose.
[Quando chegaram no quarto, havia um
bilhete amarelo colado na janela semiaberta, nele apenas escrito em caixa alta:
A MINHA ROSA DE ESPINHOS MURCHOU. Eles vasculharam todos os cômodos da casa,
olharam na varanda: nenhum sinal da mulher. Na rua, vizinhos disseram ter visto
uma mulher dançando feliz, girando seu vestido sob o sol, cantando e dançando, ao
mesmo tempo, correndo como se fugisse de alguém. Nunca mais Flávio a viu. Ela o
deixou enfeitiçado]
FIM
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